sexta-feira, 9 de setembro de 2011

EUA: laboratórios pagam até viagem e lazer dos médicos

Segundo estudo publicado pelo Financial Times, gastos ultrapassaram US$ 150 milhões

Uma dúzia das principais companhias farmacêuticas pagaram mais de US$ 150 milhões, neste ano, a médicos nos EUA, segundo dados que intensificarão o foco na ausência de fiscalização da falta de transparência nas muito discutidas práticas de marketing e de apoio financeiro a médicos.

Os números mostram a dimensão das verbas disponibilizadas a médicos para gastos com lazer, viagens, consultoria, educação e apoio a pesquisas, num processo que a indústria farmacêutica afirma ser ético e produzir resultados positivos para a saúde, mas que, argumentam os críticos, cria o risco de influenciar quais medicações são receitados pelos médicos.

Embora algumas empresas de grande porte, como a Sanofi, não tenham divulgado nenhum dado até agora, as companhias que já o fizeram registraram, coletivamente, pagamentos de US$ 437 milhões a 262 mil médicos no ano passado. Dados predominantemente do primeiro trimestre deste ano mostram que mais de US$ 148 milhões foram dados a 165 mil médicos até o momento, entre eles US$ 48 milhões da Eli Lilly e US$ 42 milhões da Pfizer.

Análise do Financial Times, preparada em conjunto com a PharmaShine, provedora de dados, baseia-se em divulgações públicas feitas por empresas no contexto de acordos judiciais individuais e exigências que deverão ser convertidas em lei e terão validade para o setor farmacêutico americano.

Isso acontece num momento de intensificação da fiscalização das práticas de marketing, quando agências governamentais estão concluindo as diretrizes que tornarão obrigatória, a partir do 2013, a publicação de dados sobre apoio financeiro ao setor, como parte das reformas no setor nos EUA.

O objetivo da publicação dos dados é permitir que as agências fiscalizadoras, as instituições médicas e os pacientes possam enxergar melhor as relações entre médicos e empresas, mas a extensão da divulgação e a forma como é apresentada varia muito, dificultando as análises.

Allan Coukell, diretor do Pew Prescription Project, um instituto fiscalizador da segurança de medicamentos, disse: "É necessário que a comunidade médica trabalhe em associação com a indústria farmacêutica em pesquisas, mas o modelo de marketing é problemático. O primeiro passo é transparência, e nós nem chegamos lá."

A GlaxoSmithKline (GSK), ré em diversos processos, limitou, neste ano, os pagamentos a médicos e eliminou incentivos a equipes de vendas diretamente vinculados a aumentos do número de receitas de seus medicamentos. "Sob certos aspectos, nosso setor perdeu rumo e deixou de levar plenamente em conta a evolução das expectativas de todas as partes envolvidas", disse Deirdre Connolly, diretora da divisão da GSK nos EUA.

Os dados da GSK - que ela e outras companhias ainda não divulgaram para suas operações na Europa, antecipam a legislação federal americana "Sunshine", que imporá a divulgação desse tipo de dados para todo o setor farmacêutico a partir de 2013. A publicação dos números permitirá que terceiros, inclusive pacientes, comecem a entender melhor as relações.

Os resultados, até agora, permanecem confusos. Entre a dezena de empresas que liberou informações, nenhuma forneceu dados comparáveis diretamente. Algumas publicam números precisos, outras apenas faixas, algumas o fazem trimestralmente, outras anualmente. Cada uma tem diferentes patamares mínimos, e poucas facilitam acesso aos dados divulgados. Nenhuma delas publica dados sobre o custo substancial de "amostras", o fornecimento gratuito de medicamentos que induz os médicos a receitá-los, especialmente a pacientes cobertos por seguro-saúde que cubra os gastos com medicação.

Os dados são distorcidos pelo fato de as empresas incluírem pesquisas clínicas vinculadas a médicos individuais, mas sob gestão de instituições médicas. Embora o apoio possa não implicar benefícios pessoais diretos aos médicos, pode influenciar a maneira como receitam medicamentos.

A maioria dos médicos listados nos dados (em que se baseia a lei) "Sunshine" recebeu apoio muito modesto - na forma de brindes, como canetas com logotipos de farmacêuticas ou "almoços sanduíches", uma moeda de troca usual quando representantes de vendas visitam médicos ocupados. No entanto, alguns estudos acadêmicos sugerem que esses itens criam laços de amizade que podem induzir os médicos a receitar medicamentos, mesmo aqueles para os quais as evidências científicas subjacentes são frágeis.

Um nível acima desse tipo de prática registra-se grandes pagamentos a médicos palestrantes em conferências médicas. Alguns beneficiários reconheceram que o resultado subconsciente foi de transformá-los em advogados dos medicamentos dos que os patrocinam.

Christopher Loder, um porta-voz da Pfizer, disse que a empresa continua sustentando o mérito de suas relações com os profissionais de saúde: "Através de nossas interações aprendemos valiosas informações que podem nos ajudar a servir melhor médicos e pacientes, e compartilhamos informações que os profissionais de saúde podem usar para tomar decisões mais bem fundamentadas nos tratamentos."

(Fonte: Financial Times/Valor Online)

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